ARTES CÊNICAS

3 abr

 “PerformanceK” propõe experiências sensoriais 

entre aromas, cores e sabores amazônicos

por Rafael Lopes

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Foto: Divulgação

PerformanceK: BanKêtePerformátiKoAmazôniKo é o título do espetáculo concebido pelo artista Francisco Rider, que entra em cartaz neste mês na capital amazonense. A performance já foi apresentada em 2015 na Mostra Manaus de Artes Visuais e premiado pela Manausclult, mas em sua reedição deve causar ainda mais excitação!

Calma, não se trata exatamente de uma orgia gastronômica de bacantes insanas, mas de uma experiência sensorial, em que aromas, cores e sabores amazônicos serão ingredientes mais do que especiais na relação entre performers e público.

Durante o espetáculo (interativo) os espectadores serão estimulados e degustar diversos pratos da culinária amazônica, como num ritual para aguçar os afetos, a reflexão e os sentidos (tato, paladar, olfato, visão, audição). A performance trabalhará com o princípio de sinestesia a partir da atmosfera que será criada nessa simbiose de elementos.

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Foto: Divulgação

O Blog do MIMO conversou com Francisco Rider, via Facebook, para conhecer um pouco mais dessa proposta contemporânea das artes cênicas em Manaus.

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MIMO – Por que a escolha desta temática e qual a proposta conceitual da performance?

RIDER- Concebi com essa percepção: não tem como nós brasileiros não percebermos tantas cores, cheiros e sabores ao redor. Cheiros de podridão, mas, também, de prazeres e delícias. O brasileiro gosta dessa experiência sensorial no dia a dia. Isso é fato e não uma percepção estereotipada do sujeito brasileiro. Por exemplo, você vai ao Mercado Ver o Peso, em Belém, ou no Mercado Adolpho Lisboa, na cidade de Manaus e o cheiro é muito forte, de ojeriza e de prazer, que nos impregna e modifica nossa energia positivamente, ou não, depende da experiência vivida nesses ambientes. Eu, por exemplo, visito o mercado pra me alimentar disso. Então, Arte pra mim está impregnada da Vida cotidiana. Enquanto Duchamp escolheu um urinol, objeto do cotidiano industrializado, que remete a cheiros fétidos, eu prefiro artefatos orgânicos que remetam a cheiros palatáveis (rs). Ou seja, nossos readymades são orgânicos, não estão prontos, são processuais. Afinal, somos de uma cultura solar, da esculhambação, da festa, das cores, do melodramático, do lúdico, dionisíaco e não apolíneo. Como vivi 10 anos num país protestante que é os EUA, mesmo vivendo numa cidade como Nova York, essa vivência nessa cultura anglo-saxônica, me deu certo distanciamento pra perceber essa energia dionisíaca que é a cultura brasileira, pois, somos África, Etnias Indígenas, mas também árabe, oriental nipônica, mesclado com a cultura europeia. Quanto à proposta conceitual ela está impregnada disso tudo: o comer com as mãos, as chitas com suas super-cores, a degustação em silêncio, as trocas de alimentos com o outro sem precisar da comunicação oral, pois a comunicação é a nível sensorial, enfim, um ritual performativo contemporâneo em diálogo com certos procedimentos do comer dessas culturas que eu elenquei, mas, com foco na gastronomia amazônica. Por que a Chita/Tecido/Pele no nosso Bankête, nos nossos corpos? Quando criança, em Manaus, ouvi muito as pessoas dizerem que usar chita era brega…era tecido pra pobre…era roupa pra gente do ‘interior”…Enfim, visões limitadas e preconceituosas sobre uma pele/tecido tão brasilidades que é a chita/tecido/pele. Mas, por que a Chita? Porque nos alimenta de memórias sensórias de um Brasil que provoca um diálogo entre a tradição e o contemporâneo. Nos remete às mesas de comer dos flutuantes de Manaus, nos faz lembrar Amazônia urbana, ribeirinha e dos barrancos, nos invade o corpo de cores fortes cheiros e sensações, nos faz ouvir radinho de pilha, nos faz dançar Teixeira de Manaus.

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Foto: Divulgação

MIMO – Além de você, que já tem uma carreira consolidada entre Manaus, Rio, São Paulo e Nova Iorque, a performance traz outros artistas. Quem são eles, como o grupo foi formado e como foi o processo criativo?

RIDER – Essa questão de ter uma carreira consolidada é muito ilusória, pois, depende muito do momento. Nós artistas temos nossos momentos, digamos, gloriosos e também de fracassos. Fracasso faz parte do processo. E sucesso pra mim tem relação com o respeito que você tem da sua comunidade, da sua categoria. É local e contextual, e não globalizante. No meu caso o que me consolidou, e é um contínuo da prática do fazer arte dia a dia, foi ter passado de 1980, ano em que iniciei meu contato com a arte, até agora 2017, produzindo e envolvido com o ofício artístico, seja em Manaus, São Paulo e Nova York. Os artistas envolvidos na primeira realização da performance, feita especialmente para a I Mostra Manaus de Artes Visuais, em 2015, são jovens artistas que tive um primeiro contato na Residência Jovens Criadores. Projeto em que fui convidado pra ministrar uma oficina de processos criativos em 2015. São eles: Christianne Santos , Leonardo Scantbelruy, Tainá Lima, com exceção do Diego Batista que é um jovem artista, digamos, com uma formação prática de trabalhar com grupos de artes cênicas, como o Vitória Régia.


MIMO – Você acredita que essa linguagem contemporânea ainda cause estranheza em Manaus ou o público local está aberto para propostas artísticas fora do convencional?

RIDER – Acho que faltam sim vivências e falta muito o acesso à arte contemporânea. Não se pode dizer que o público “não entende” ou que a arte contemporânea é “hermética por si só”. Pois, existem artes e artes. A que comunica, a nível sensorial e/ou imagético é a que “bate” forte no espectador. Pra mim é um grande equívoco achar que há público específico pra arte. O que existe é uma lacuna no que diz respeito ao acesso à arte contemporânea. Assim, causando estranhamento. Ou seja, a recepção de uma obra de arte depende muito de como esse olhar/recepção é desenvolvido  desde a infância. Temos que estimular isso na criança. Levá-la a olhar pra outras percepções e estéticas, pois, do contrário, teremos adultos analfabetos apreciadores de obra de arte. Não precisa ter nível superior pra ter uma sensibilidade aguçada pra arte contemporânea, mas sim ter o contato com ela e se impregnar de suas complexidades conceituais. Tenho apresentado minhas obras cênicas corporais visuais em vários contextos, algumas com um conceito complexo, porém, independe do sujeito, pois, até pessoas do meio artístico ainda têm uma limitação na leitura/recepção. Ou seja, sensibilidade, percepção e leitura de um texto (escrito ou imagético) tem relação com o contato e acesso desde a infância. Não vai ser na universidade que o sujeito encontrará isso (rs). Pois, quando ele chegar lá, ele já vem impregnado com essa limitação de leitura de um texto.


MIMO – Qual a dinâmica do espetáculo, sua duração e o que será servido durante o BanKête?

RIDER – O espetáculo performance tem uma dinâmica processual, ou seja, performers e espectadores vão construindo o bankête, na medida em que há trocas nesse processo de encontro com o outro. Teremos uma partitura fechada, mas, estamos aberto ao acaso que interfere no processo. A duração do espetáculo será de no máximo 60 minutos. Vale salientar que a proposta não é vir ao banquete pensando que irá se “empanturrar” de comida, ao contrário, as experiências serão minimalistas. Serviremos um cardápio que provoque reminiscências involuntárias da infância manauara, como, por exemplo, as broas e cascalhos que são vendidos nas feiras urbanas da cidade. Assim como as madeleines de Proust, que o transportava pelasmemórias da infância…Mas, o menu é bastante delicioso, posso te afirmar.


MIMO – O que a PerformanceK pretende provocar nos seus espectadores/participantes?

RIDER –  O ato ritual de comer em comunhão! Um rito experiência impregnado devisualidades, sons, cheiros, ou seja, sensorialidades e imagético.

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Foto: Divulgação

MIMO- É difícil montar uma performance nesse formato e quem são seus apoiadores?

RIDER – É difícil pela logística. Usamos material orgânico e perecível. Então, a questão alimento é bem delicada. Temos que ter muito cuidado com a qualidade! Até o momento não temos patrocínio oficial. Mas, estamos realizando e propondo às pessoas doações e compra de ingressos. Vale salientar que doação é diferente de caridade. O povo brasileiro sempre olha a doação como algo menor. Não é caridade o que propomos, pois não somos sujeitos em situação de risco socioeconômico. O que queremos é a doação, que terá uma recompensa: quem doar terá seu nome no folder como apoiador cultural, aulas de yoga, improvisação performance, tecido circense e jogos teatrais. Cada valor de doação terá sua recompensa. Pra saber mais informações de como fazer doação ou comprar ingresso pode entrar na nossa página no facebook deixar uma mensagem: https://www.facebook.com/PerformanceK/?fref=ts


MIMO – Para terminar, como você percebe a atual cena artística em Manaus, as relações entre artistas de diferentes vertentes e as perspectivas para o futuro?

RIDER – Vejo arte como política, estética e ética. Então, penso que enquanto categoria é bem fragilizada. Não tem força política. Poucas são as iniciativas de questionamentos e reflexões sobre a inexistência de políticas públicas para as artes e cultura local. Não se pode dizer que o que a Fundação Manauscult e a Secretaria de Cultura do Amazonas  fazem são políticas culturais. Pra mim são ações somente pontuais impermanentes, não há continuidade. Por exemplo, a Mostra de Artes Visuais, onde mostrei o Bankête, nunca mais foi realizada. Editais a SEC desde 2013/14 que não lança. O que acho positivo é que, nos últimos dois anos, algumas iniciativas de alguns artistas são autônomas, como espaços de arte, que faz muito mais do que as iniciativas institucionalizadas. Isso é importante pra nossas existências arte e visibilidade. Mas, sinto muita falta de processos artísticos contínuos. O que percebo é que realizam obras cênicas de forma tão rápida. Não sei…desconfio dessa velocidade. Sou mais pelo processo do que pelo produto. Arte como linguagem precisa de processo, maturação, problematização contínua. Falo isso porque esse modus operandi reflete na posição política, ética e estética de uma categoria. Precisa de tempo pra digestão e reflexão! Em relação ao futuro…Melhor não me aprofundar, pois, vivo no presente e as incertezas atuais são desafiadoras e são elas que nos movem!


Serviço

Espetáculo: BankêtePerformátikoAmazôniko

Criação/performance: Francisco Rider, Diego Gama, Leonardo Scantbelruy, Tainá Lima, Antônio Soares, Christianne Santos

Local: DaVárzea das Artes | Rua B, casa 02, conjunto Jardim Yolanda, Parque 10.

Datas: 15 e 29 de abril | 13 e 27 de maio

Hora: 17:30

Entrada: R$ 50,00 (inteira) R$ 25,00 (meia/estudante)

Contato: facebook.com/Performancek

 

 

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