ENSAIOS ECOPOIÉTICOS

28 mar

(In)visíveis manauaras

                                Por Rafael Lopes
frases_inteligencia_invisivel

A velha índia ia lentamente pelo asfalto

No meio da rua, contra o tráfego.

O barulho dos automóveis não a dispersava,

A luz dos faróis não a ofuscava.

Seguia em direção ao rio,

Pela grande avenida,

Despercebida pela multidão que apinhava as paradas de ônibus.

(Só eu a notara?)

 

Balbuciava uma canção

E segurava firme uma flor

Junto ao peito.

O outro braço pendia alinhado ao corpo magro,

Coberto de poucos panos rasgados.

 

Fiquei absorto com a cena, com o lamento daquela voz.

Quem era aquela mulher? (Todos nós?)

Qual o significado da cantilena? (Tudo e nada!)

Para onde seguia? (Pra qualquer lugar…)

Quem encontraria? (Ninguém.)

 

Entorpecido, passei a acompanhá-la discretamente,

Tentando não me fazer notar, por alguns quarteirões.

Queria ouvir mais do seu som ancestral.

Mágico.

Tive vontade de pará-la. Falar com ela.

Mas, faltou-me coragem de entrar em contato. (Quanta limitação)

 

De repente, a pressa da vida compromissada

Apitou sua vibrante chamada.

Aumentei meu passo e segui em frente, me distanciei.

A voz, o som do canto foi se afastando

E outros ruídos da cidade grande logo se mixaram à atmosfera noturna.

 

Ainda olhei pra trás.

A velha índia continuava em seu transeunte-transe-transcendente…

Lentamente, seu “corpoalma” desaparecia na ausência de afetos,

No espaço concretizado pela geometria irregular de prédios,

Na natureza perdida, nas vozes silenciadas…

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