(In)visíveis manauaras
Por Rafael Lopes
A velha índia ia lentamente pelo asfalto
No meio da rua, contra o tráfego.
O barulho dos automóveis não a dispersava,
A luz dos faróis não a ofuscava.
Seguia em direção ao rio,
Pela grande avenida,
Despercebida pela multidão que apinhava as paradas de ônibus.
(Só eu a notara?)
Balbuciava uma canção
E segurava firme uma flor
Junto ao peito.
O outro braço pendia alinhado ao corpo magro,
Coberto de poucos panos rasgados.
Fiquei absorto com a cena, com o lamento daquela voz.
Quem era aquela mulher? (Todos nós?)
Qual o significado da cantilena? (Tudo e nada!)
Para onde seguia? (Pra qualquer lugar…)
Quem encontraria? (Ninguém.)
Entorpecido, passei a acompanhá-la discretamente,
Tentando não me fazer notar, por alguns quarteirões.
Queria ouvir mais do seu som ancestral.
Mágico.
Tive vontade de pará-la. Falar com ela.
Mas, faltou-me coragem de entrar em contato. (Quanta limitação)
De repente, a pressa da vida compromissada
Apitou sua vibrante chamada.
Aumentei meu passo e segui em frente, me distanciei.
A voz, o som do canto foi se afastando
E outros ruídos da cidade grande logo se mixaram à atmosfera noturna.
Ainda olhei pra trás.
A velha índia continuava em seu transeunte-transe-transcendente…
Lentamente, seu “corpoalma” desaparecia na ausência de afetos,
No espaço concretizado pela geometria irregular de prédios,
Na natureza perdida, nas vozes silenciadas…
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